domingo, 7 de fevereiro de 2021

CRISTÃOS-NOVOS EM MINAS GERAIS

 

Minas Gerais, estado da Federação com 300 anos completados no ano de 2020 quanto a “emancipação” da grande capitania de São Paulo, possui consideráveis raízes judaizantes/cristãs-novas em seus povoadores. Antes de aprofundarmos as considerações específicas ao título, se faz oportuna breve reconstituição da História de Minas Gerais.

Todo o território mineiro pertencia a capitania de São Vicente. No Século XVII, ocorreram várias expedições em busca de metais preciosos, destacando-se a expedição de Fernão Dias Paes, bandeirante de vulto na História do Brasil. O famigerado metal foi encontrado nos rios entre as atuais Mariana e Ouro Preto.

Em 1698, Garcia Rodrigues Paes (de ascendência cristã-nova) conclui o “Caminho Novo”, ligação terrestre entre o Rio de Janeiro e a região de Vila Rica (atual Ouro Preto-MG), somando-se ao já existente “Caminho Velho”, cuja via era de Paraty-RJ até as regiões auríferas, porém, pelo sul dos atuais estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Entre 1707 a 1709 ocorreu a Guerra dos Emboabas, conflito entre os paulistas, povoadores iniciais da região e os “emboabas”, indivíduos de fora da capitania, em especial os portugueses, ditos “reinóis” e povoadores de outras regiões do Brasil. A vitória dos portugueses foi decisiva, no que tange as medidas administrativas que, a partir dali ocorreriam, com a criação já em 1709 por parte da Coroa Portuguesa da grande Capitania “São Paulo e Minas do Ouro”, englobando vasto território (atuais estados São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Goiás e Mato Grosso).

Em 1714, foram criadas três comarcas dentro do território “das Minas”: Ouro Preto (sede em Villa Rica), Rio das Mortes (sede em São João Del Rey) e Rio das Velhas (sede em Sabará). O controle administrativo maior e mais próximo se tornou necessário certamente em razão dos ressentimentos ainda existentes do conflito e expectativas de grande extração e fluxo de ouro. Em 1720, a Capitania de Minas Gerais foi desmembrada da grande Capitania de São Paulo, o que constitui no “nascimento” oficial do atual estado.

Todas essas fases iniciais de povoamento e consolidação político-administrativa, se confundem com a presença de cristãos-novos na região.

O povoamento das regiões auríferas se intensificaram a partir da exploração do metal precioso, em grande proporção.

É oportuno destacarmos dois GRANDES FLUXOS (ANTIGOS) DE CRISTÃOS-NOVOS (E/OU DESCENDENTES) EM MINAS GERAIS:

1)      Povoamento inicial, via bandeirantes paulistas, principalmente;

2)      Portugueses, em especial aqueles que vieram no Século XVIII (Período Aurífero);

 

1) POVOAMENTO INICIAL e PRIMÓRDIOS

Quanto ao fluxo inicial de povoadores, destacamos o fluxo de paulistas para as Minas Gerais. Nestas considerações, enfatizo o interesse especial nos indivíduos que possuem ascendência descrita na GENEALOGIA PAULISTANA (GP) de Silva Leme, célebre obra genealógica publicada no início do século passado.

Os títulos da GP cujos patriarcas foram considerados cristãos-novos pela Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) são os seguintes:

- PEDROSOS BARROS

- BICUDOS

- ALVARENGAS (Antônio Rodrigues de Alvarenga apenas)

- FREITAS

- GARCIAS VELHOS

- FERNANDES POVOADORES

- JORGES VELHOS (todo Jorge-Velho é Garcia-Velho)

- CAMPOS (todos os descritos na GP são Bicudos por via materna)

- ARZAM (a esposa de Cornélio D’Arzam era filha de Martim R. Tenorio)

- TENORIOS (Martim R. Tenorio, batismo tardio; Ver G. Salvador, p. 95)

- TOLEDOS PIZAS (todo Toledo Piza é Freitas)

- GODOYS (todo Godoy é Garcia-Velho)

- FURQUINS (todo Furquim é Garcia-Velho)

- CHASSINS (Todo Chassim descende dos Bicudos e Alvarengas)

- SAAVEDRAS (Todo Saavedra é Garcia-Velho)

 

Os antigos paulistas que se dirigiram para Minas Gerais, com ascendência nos títulos acima descritos, não eram necessariamente praticantes de ritos da religião judaica enquanto viviam, mas, possuíam ascendência nos ditos “patriarcas” da Genealogia Paulistana que hoje são certificados pela Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) como cristãos-novos.

Para realizar um levantamento completo de todos os povoadores com ascendência próxima de judeus sefarditas que imigraram para Minas Gerais (não só os praticantes da religião judaica, mas de todos aqueles que possuíam ascendência), seriam necessários anos de detalhadas pesquisas, em razão da elevada descendência destes povoadores iniciais e complexidade nos levantamentos a serem realizados.

Cito, aqui, como breves exemplos, alguns casais com ascendência cristã-nova (na Genealogia Paulistana) e grande descendência nas regiões do Sul de Minas, Zona da Mata Mineira e Campo das Vertentes:

 

ANDRÉ DO VALLE RIBEIRO, b. no Valongo, Porto-PT, 24/05/1675, casou em São João Del Rey-MG em 09/05/1707 com TERESA DE MORAES (*), natural de São Paulo-SP. Teresa de Moraes é descendente, pela linha materna, de Antônio Bicudo e Isabel Rodrigues, e também bisneta do Mestre-de-Campo Antônio Raposo Tavares, este último considerado como cristão-novo pela pesquisadora Anita Novinsky.

 

FRANCISCO DE OLIVEIRA BRAGA, natural de Palmeira, Braga-PT, falecido em Baependi, São João Del Rey-MG em 25/07/1769, foi casado com ESCOLÁSTICA DO ALBERNAZ (*), natural de Pindamonhangaba-SP. Escolástica do Albernaz é descendente de Antônio Bicudo, Antônio Rodrigues de Alvarenga e Garcia Rodrigues - Isabel Velho.

 

Capitão-Mór JOÃO DE TOLEDO PIZA CASTELHANOS (*), paulista, nascido na segunda metade do Século XVII [GP, Vol. V, pag. 447], c.c. MARIA PEDROSO. Povoadores de Campanha-MG. João de Toledo Piza era neto materno de uma Maria Pedroso (homônima da esposa), que, por sua vez, era descendente de Sebastião de Freitas.

 

JOÃO INÁCIO XAVIER, natural da Candelária-RJ, casado em 1764 em Guaratinguetá-SP com MARGARIDA CARVALHO DA ENCARNAÇÃO (*) [GP, Vol. III, pag. 58]. Margarida era filha de Antônio Carvalho Marques e Maria da Motta Paes, por sua vez, descendente de Antônio Bicudo.

 

Há também povoadores que possuem ascendência em cristãos-novos de São Paulo, mas, diferentes daqueles patriarcas (troncos) da Genealogia Paulistana;

Exemplo:

GASPAR RIBEIRO DO PRADO (*), b. 24/09/1702 em São Paulo, em 23/12/1727, Barbacena-MG c.c. MARIA SOARES DE OLIVEIRA. Gaspar faleceu em Ibitipoca, São João Del Rey-MG em 06/02/1740. Gaspar Ribeiro do Prado é descendente por varonia de Manoel Preto de Moraes, português de Beja-PT, cuja irmã (Maria das Neves), mãe (Isabel Ramos) e avó (Francisca Dias) foram presas por “judaísmo, heresia e apostasia”. OBS: o autor deste texto foi certificado pela CIL como descendente de cristãos-novos por esta via.

 

Embora com menor proporção de indivíduos, é importante também mencionar o Rio de Janeiro e outras regiões/capitanias como origem de povoadores com ascendência cristã-nova;

Breves exemplos:

Capitão JOSÉ DE SOUZA PORTO, casado, em aproximados 1708 com ANTÔNIA MARIA DE AZEVEDO (*), b. 1710, falecida em Sabará-MG, 1759. Antônia Maria de Azevedo era neta materna de Alexandre Freire e Helena de Azevedo, esta última cristã-nova, natural do Rio de Janeiro, presa em 01/12/1718 e Auto-de-Fé em 1720.

 

ANTONIO ALVARES DE CASTRO, natural de Lisboa, S. Paulo, Portugal capitão-comandante da ordenança de Itacolomy em 1741, cidadão da vila de N. S. de Ribeirão do Carmo, Minas Gerais, com o foro de cavalheiro (28 de fevereiro de 1721), vereador em 1741, juiz almotacel em 1742, da vila elevada a cidade a 23 de abril de 1745, com o nome de Mariana. Casado com JOANNA BAPTISTA DE NEGREIROS (*), natural da cidade da Bahia, freguesia de N. S. do Desterro;

ALEXANDRE DA CUNHA MATTOS, guarda-mór de Villa Rica (atual Ouro Preto-MG) natural de S. Simão de Arões, Portugal, era casado com ANTÔNIA DE NEGREIROS (*), irmã de Joanna;

[GP, Vol. II, pag. 202]. Joanna Baptista de Negreiros e Antônia de Negreiros eram filhas de Antônio Carvalho Tavares e de sua mulher Margarida de Negreiros, ambos naturais e moradores da Bahia. A dita Margarida era descendente de Manuel Paredes, cristão-novo de Lisboa residente na Bahia, filho de Agostinho de Paredes e Violante da Costa, com auto-de-fé em 04/08/1593.

 

Os casos aqui expostos são breves exemplos, em meio a dezenas de casais e indivíduos. São inúmeros os povoadores com ascendência cristã-nova, seja aqueles que ainda praticavam os ritos judaicos, seja daqueles já totalmente inseridos no catolicismo (mas com ascendência próxima em cristãos-novos). Catalogar estes povoadores anteriores ao Século XVIII seria esforço de anos, e creio que, mesmo assim, haveria omissões consideráveis, visto a amplitude geográfica e genealógica da população mineira, mesmo em períodos tão remotos.

 

2) CRISTÃOS-NOVOS POVOADORES (SÉCULO XVIII)

Quanto a Minas Gerais no Século XVIII, é pertinente e oportuno citarmos a listagem de cristãos-novos residentes nas Minas Gerais, entre 1712 e 1763, exposta no livro “A Inquisição em Minas Gerais no Século XVIII”, de Neusa Fernandes, publicado em 2004 (pag. 177 a 184 – Anexo 4). O trabalho da pesquisadora é de suma importância. São dezenas de indivíduos mencionados por localidade, a saber: Brumado, Cachoeira, Caeté, Catas Altas, Congonhas do Campo,  Córrego do Pau das Minas de Arasuahy, Curralinho, Diamantina (antigo Tijuco), Fornos, Itaverava, Juiz de Fora,  Minas de Arassuahi, Minas de São José, Minas Novas do Fanado, Minas Novas de Paracatu, Ouro Branco, Ouro Fino,  Ouro Preto (antiga Vila Rica), Paranapanema, Pitangui, Ribeiro do Carmo (Mariana), Rio das Mortes, Sabará, São Caetano, São Jerônimo, São João Del Rey, Serro Frio, Sumidouro e também indivíduos em locais não definidos.

 

Na lista elaborada pela pesquisadora Neusa Fernandes, há indivíduos que também são mencionados na Genealogia Paulistana (não como cristãos-novos). Silva Leme e antigos genealogistas não identificaram povoadores com ascendências judaizantes, em razão da ausência de pesquisas no período e “pensamento” da época, que pretendia omitir qualquer vínculo genealógico com cristãos-novos.

Nos casos dos cristãos-novos listados por Neusa Fernandes) que porventura possuem ascendência descrita na Genealogia Paulistana, são exemplos crassos em que estes povoadores/habitantes de Minas Gerais, mantiveram a prática dos ritos judaicos e/ou tiveram sua ascendência reconhecida e foram classificados, a sua época, como cristãos-novos.

Para exemplificar os casos acima descritos, é oportuno observar a ascendência de três indivíduos: Os irmãos Bernardo Campos Bicudo e José Campos Bicudo (de Pitangui) e Garcia Rodrigues Paes (Rio das Mortes).

Bernardo (ou Bernardino) Campos Bicudo e José Campos Bicudo, moradores em Pitangui, descritos respectivamente nos Capº 5º e 6º do título “Campos”, Vol IV, pág. 166 da Genealogia Paulistana, eram filhos de Margarida Bicudo e Filipe de Campos Banderborg, netos maternos de Maria Bicudo (casada com Manoel Pires), falecida em 16 de janeiro de 1659 em Santana do Parnaíba, São Paulo; por Maria, eram bisnetos de Antônio Bicudo {Carneiro} c/c Isabel Rodrigues. Interessante notar que a ascendência e transmissão do sobrenome “Bicudo” foi matrilinear. Os irmãos Bernardo (Bernardino) e José Campos constam como cristãos-novos nos estudos de Neusa Fernandes. Temos, aqui, claro exemplo de continuidade dos ritos judaicos, verificados em povoadores de Minas Gerais com ascendência comprovadamente cristã-nova.

Garcia Rodrigues Paes, “construtor” do Caminho Novo é um caso singular. Em diligência de Habilitação para a Ordem de Cristo, realizada a 29 de outubro de 1710 o requerente não foi aprovado, em razão de ser “infamado de cristão-novo por parte de sua avó materna por famas constantes e por estes impedimentos se julgou por incapaz de entrar na ordem (...)”. Este fato fez o ilustre bandeirante constar na relação da pesquisadora Neusa Fernandes, como cristão-novo de Minas Gerais.

Silva Leme, ao tratar de Garcia Rodrigues Paes na pág. 455 do Vol. II da GP menciona que o mesmo fora agraciado em 1702 como cavalheiro fidalgo da Casa Real, por “seus serviços”, mas nada menciona sobre a reprovação na Habilitação de 1710, por sua ascendência cristã-nova.

Sobre Garcia Rodrigues Paes, sua avó materna era Maria Betting, esposa de Garcia Rodrigues Velho; a dita Maria Betting era filha do alemão Geraldo Bettink e Custódia Dias, e neta materna de Manoel Fernandes e Susana Dias. Manoel Fernandes pertence aos “Fernandes Povoadores”, hoje conhecidos como cristãos-novos. Interessante notar também que Susana Dias era neta materna de João Ramalho e da índia Bartira. Sobre João Ramalho, há estudos e opiniões conflitantes sobre sua origem judaizante. Independente da ascendência de Susana Dias, temos aqui outro exemplo de um antigo povoador de Minas, com raízes judaizantes. Garcia Rodrigues Paes, sem dúvida, é nome de vulto na História de Minas Gerais.

Certamente, na abrangente e ampla listagem apresentada pela pesquisadora Neusa Fernandes, caberia interessante estudo da ascendência dos indivíduos, não só daqueles com ascendência paulista, mas de todos. Muito seria revelado acerca das relações familiares e transmissão do judaísmo no período.

Diante de todas as considerações fica demonstrado a meu modo, as raízes judaizantes dos primeiros povoadores de Minas Gerais, e, por consequência, a nossa ancestralidade também ligada aos cristãos-novos. Um legado esquecido por muitos anos, mas com considerável estudo e resgate na atualidade, com diversos trabalhos, pesquisas e publicações. Certamente, ainda há muito a ser feito!

 

BIBLIOGRAFIA:

 

VASCONCELOS, D. História Antiga das Minas Gerais. Beltrão & C – Livreiros e Editores. 1901. Ouro Preto.

 

LEME, L.G.S. Genealogia Paulistana. Luiz Gonzaga Silva Leme (1852-1919). Transcrito/publicado por: http://www.arvore.net.br/Paulistana/

 

FERNANDES, N.. A Inquisição em Minas Gerais no Século XVIII. 2ª ed. – Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004. 212 p. ISBN: 85.7511.069.1. Conteúdo consultado: pag. 177 a 184 – Anexo 4.

 

SALVADOR, J.G.. Os cristãos-novos: povoamento e conquista do solo brasileiro, 1530-1680. São Paulo, Pioneira, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1976. CDD-981.021-301.45296081.

 

+ RELATÓRIOS, ESTUDOS e PESQUISAS FEITOS PELO AUTOR.

5 comentários:

  1. Olá, boa tarde! Sou eu novamente, do artigo anterior, sobre a família Lopes de Menezes. Desculpe se causo algum incomodo, mas o senhor conseguiu descobrir dados e informações sobre os Lopes de Menezes com os dados e link que eu mandei? Estou muito a procura de dados sobre a família, se o senhor já descobriu alguma coisa? Desculpe se causo incomodo

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    1. Prezado, no post anterior e no atual, você não se identificou. Recomendo que procure algum genealogista da Bahia, com conhecimentos específicos na região. Sdçs!

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    2. Realmente, esqueci de deixar meu endereço de e-mail e coisas mais, acho que seriam úteis. Mas ok obrigado mesmo assim, vou ver se encontro algum genealogista assim mesmo. Sdçs!

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    3. Não posso afirmar a origem judaica mas era um sobrenome bem utilizado pelos cristãos novos é muito possível que tenha origem do povo sefardita.

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  2. Prezado Saulo,
    Um texto brilhante, com uma riqueza de informações amplamente confirmada em bases históricas. Gostei muito de sua narrativa que traz muita luz sobre os fatos narrados. Parabéns e obrigado por compartilhar conosco.
    Atc, Plauto G.M. e silva

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