Minas Gerais, estado da
Federação com 300 anos completados no ano de 2020 quanto a “emancipação” da
grande capitania de São Paulo, possui consideráveis raízes
judaizantes/cristãs-novas em seus povoadores. Antes de aprofundarmos as
considerações específicas ao título, se faz oportuna breve reconstituição da
História de Minas Gerais.
Todo o território
mineiro pertencia a capitania de São Vicente. No Século XVII, ocorreram várias expedições
em busca de metais preciosos, destacando-se a expedição de Fernão Dias Paes,
bandeirante de vulto na História do Brasil. O famigerado metal foi encontrado nos
rios entre as atuais Mariana e Ouro Preto.
Em 1698, Garcia
Rodrigues Paes (de ascendência
cristã-nova) conclui o “Caminho Novo”, ligação terrestre entre o Rio de
Janeiro e a região de Vila Rica (atual Ouro Preto-MG), somando-se ao já existente
“Caminho Velho”, cuja via era de Paraty-RJ até as regiões auríferas, porém,
pelo sul dos atuais estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Entre 1707 a 1709 ocorreu
a Guerra dos Emboabas, conflito entre os paulistas, povoadores iniciais da
região e os “emboabas”, indivíduos de fora da capitania, em especial os
portugueses, ditos “reinóis” e povoadores de outras regiões do Brasil. A
vitória dos portugueses foi decisiva, no que tange as medidas administrativas
que, a partir dali ocorreriam, com a criação já em 1709 por parte da Coroa
Portuguesa da grande Capitania “São Paulo e Minas do Ouro”, englobando vasto
território (atuais estados São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina,
Goiás e Mato Grosso).
Em 1714, foram criadas
três comarcas dentro do território “das Minas”: Ouro Preto (sede em Villa
Rica), Rio das Mortes (sede em São João Del Rey) e Rio das Velhas (sede em Sabará).
O controle administrativo maior e mais próximo se tornou necessário certamente
em razão dos ressentimentos ainda existentes do conflito e expectativas de
grande extração e fluxo de ouro. Em 1720, a Capitania de Minas Gerais foi
desmembrada da grande Capitania de São Paulo, o que constitui no “nascimento”
oficial do atual estado.
Todas essas fases
iniciais de povoamento e consolidação político-administrativa, se confundem com
a presença de cristãos-novos na região.
O povoamento das regiões
auríferas se intensificaram a partir da exploração do metal precioso, em grande
proporção.
É
oportuno destacarmos dois GRANDES FLUXOS (ANTIGOS) DE CRISTÃOS-NOVOS (E/OU
DESCENDENTES) EM MINAS GERAIS:
1) Povoamento
inicial, via bandeirantes paulistas, principalmente;
2) Portugueses,
em especial aqueles que vieram no Século XVIII (Período Aurífero);
1) POVOAMENTO INICIAL e
PRIMÓRDIOS
Quanto ao fluxo inicial de
povoadores, destacamos o fluxo de paulistas para as Minas Gerais. Nestas
considerações, enfatizo o interesse especial nos indivíduos que possuem
ascendência descrita na GENEALOGIA PAULISTANA (GP) de Silva Leme, célebre obra
genealógica publicada no início do século passado.
Os títulos da GP cujos
patriarcas foram considerados cristãos-novos pela Comunidade Israelita de
Lisboa (CIL) são os seguintes:
- PEDROSOS BARROS
- BICUDOS
- ALVARENGAS (Antônio
Rodrigues de Alvarenga apenas)
- FREITAS
- GARCIAS VELHOS
- FERNANDES POVOADORES
- JORGES VELHOS (todo
Jorge-Velho é Garcia-Velho)
- CAMPOS (todos os descritos
na GP são Bicudos por via materna)
- ARZAM (a esposa de
Cornélio D’Arzam era filha de Martim R. Tenorio)
- TENORIOS (Martim R.
Tenorio, batismo tardio; Ver G. Salvador, p. 95)
- TOLEDOS PIZAS (todo
Toledo Piza é Freitas)
- GODOYS (todo Godoy é
Garcia-Velho)
- FURQUINS (todo Furquim
é Garcia-Velho)
- CHASSINS (Todo Chassim
descende dos Bicudos e Alvarengas)
- SAAVEDRAS (Todo
Saavedra é Garcia-Velho)
Os antigos paulistas que
se dirigiram para Minas Gerais, com ascendência nos títulos acima descritos, não eram necessariamente praticantes de
ritos da religião judaica enquanto viviam, mas, possuíam ascendência nos ditos
“patriarcas” da Genealogia Paulistana que hoje são certificados pela Comunidade
Israelita de Lisboa (CIL) como cristãos-novos.
Para realizar um
levantamento completo de todos os povoadores com ascendência próxima de judeus
sefarditas que imigraram para Minas Gerais (não só os praticantes da religião
judaica, mas de todos aqueles que possuíam ascendência), seriam necessários
anos de detalhadas pesquisas, em razão da elevada descendência destes
povoadores iniciais e complexidade nos levantamentos a serem realizados.
Cito, aqui, como breves exemplos, alguns casais com
ascendência cristã-nova (na Genealogia Paulistana) e grande descendência nas
regiões do Sul de Minas, Zona da Mata Mineira e Campo das Vertentes:
ANDRÉ DO VALLE RIBEIRO,
b. no Valongo, Porto-PT, 24/05/1675, casou em São João Del Rey-MG em 09/05/1707
com TERESA DE MORAES (*), natural de São Paulo-SP. Teresa de Moraes é descendente, pela linha materna, de Antônio Bicudo e
Isabel Rodrigues, e também bisneta do Mestre-de-Campo Antônio Raposo Tavares,
este último considerado como cristão-novo pela pesquisadora Anita Novinsky.
FRANCISCO DE OLIVEIRA
BRAGA, natural de Palmeira, Braga-PT, falecido em Baependi, São João Del Rey-MG
em 25/07/1769, foi casado com ESCOLÁSTICA DO ALBERNAZ (*), natural de
Pindamonhangaba-SP. Escolástica do
Albernaz é descendente de Antônio Bicudo, Antônio Rodrigues de Alvarenga e
Garcia Rodrigues - Isabel Velho.
Capitão-Mór JOÃO DE
TOLEDO PIZA CASTELHANOS (*), paulista, nascido na segunda metade do Século XVII
[GP, Vol. V, pag. 447], c.c. MARIA PEDROSO. Povoadores de Campanha-MG. João de Toledo Piza era neto materno de uma
Maria Pedroso (homônima da esposa), que, por sua vez, era descendente de
Sebastião de Freitas.
JOÃO INÁCIO XAVIER, natural
da Candelária-RJ, casado em 1764 em Guaratinguetá-SP com MARGARIDA CARVALHO DA
ENCARNAÇÃO (*) [GP, Vol. III, pag. 58]. Margarida
era filha de Antônio Carvalho Marques e Maria da Motta Paes, por sua vez,
descendente de Antônio Bicudo.
Há
também povoadores que possuem ascendência em cristãos-novos de São Paulo, mas,
diferentes daqueles patriarcas (troncos) da Genealogia Paulistana;
Exemplo:
GASPAR RIBEIRO DO PRADO
(*), b. 24/09/1702 em São Paulo, em 23/12/1727, Barbacena-MG c.c. MARIA SOARES
DE OLIVEIRA. Gaspar faleceu em Ibitipoca, São João Del Rey-MG em 06/02/1740. Gaspar Ribeiro do Prado é descendente por
varonia de Manoel Preto de Moraes, português de Beja-PT, cuja irmã (Maria das
Neves), mãe (Isabel Ramos) e avó (Francisca Dias) foram presas por “judaísmo,
heresia e apostasia”. OBS: o autor deste texto foi certificado pela CIL
como descendente de cristãos-novos por esta via.
Embora
com menor proporção de indivíduos, é importante também mencionar o Rio de
Janeiro e outras regiões/capitanias como origem de povoadores com ascendência
cristã-nova;
Breves exemplos:
Capitão JOSÉ DE SOUZA
PORTO, casado, em aproximados 1708 com ANTÔNIA MARIA DE AZEVEDO (*), b. 1710,
falecida em Sabará-MG, 1759. Antônia
Maria de Azevedo era neta materna de Alexandre Freire e Helena de Azevedo, esta
última cristã-nova, natural do Rio de Janeiro, presa em 01/12/1718 e Auto-de-Fé
em 1720.
ANTONIO ALVARES DE
CASTRO, natural de Lisboa, S. Paulo, Portugal capitão-comandante da ordenança
de Itacolomy em 1741, cidadão da vila de N. S. de Ribeirão do Carmo, Minas
Gerais, com o foro de cavalheiro (28 de fevereiro de 1721), vereador em 1741,
juiz almotacel em 1742, da vila elevada a cidade a 23 de abril de 1745, com o
nome de Mariana. Casado com JOANNA BAPTISTA DE NEGREIROS (*), natural da cidade
da Bahia, freguesia de N. S. do Desterro;
ALEXANDRE DA CUNHA
MATTOS, guarda-mór de Villa Rica (atual Ouro Preto-MG) natural de S. Simão de
Arões, Portugal, era casado com ANTÔNIA DE NEGREIROS (*), irmã de Joanna;
[GP, Vol. II, pag. 202].
Joanna Baptista de Negreiros e Antônia de Negreiros eram filhas de Antônio
Carvalho Tavares e de sua mulher Margarida de Negreiros, ambos naturais e
moradores da Bahia. A dita Margarida era descendente de Manuel Paredes,
cristão-novo de Lisboa residente na Bahia, filho de Agostinho de Paredes e
Violante da Costa, com auto-de-fé em 04/08/1593.
Os casos aqui expostos
são breves exemplos, em meio a dezenas de casais e indivíduos. São inúmeros os
povoadores com ascendência cristã-nova, seja aqueles que ainda praticavam os
ritos judaicos, seja daqueles já totalmente inseridos no catolicismo (mas com
ascendência próxima em cristãos-novos). Catalogar estes povoadores anteriores
ao Século XVIII seria esforço de anos, e creio que, mesmo assim, haveria
omissões consideráveis, visto a amplitude geográfica e genealógica da população
mineira, mesmo em períodos tão remotos.
2) CRISTÃOS-NOVOS
POVOADORES (SÉCULO XVIII)
Quanto a Minas Gerais no
Século XVIII, é pertinente e oportuno citarmos a listagem de cristãos-novos residentes
nas Minas Gerais, entre 1712 e 1763, exposta no livro “A Inquisição em Minas Gerais no Século XVIII”, de Neusa Fernandes, publicado em 2004
(pag. 177 a 184 – Anexo 4). O trabalho da pesquisadora é de suma importância. São
dezenas de indivíduos mencionados por localidade, a saber: Brumado, Cachoeira,
Caeté, Catas Altas, Congonhas do Campo, Córrego
do Pau das Minas de Arasuahy, Curralinho, Diamantina (antigo Tijuco), Fornos, Itaverava, Juiz de
Fora, Minas de Arassuahi, Minas de São José, Minas
Novas do Fanado, Minas Novas de Paracatu, Ouro Branco, Ouro Fino, Ouro
Preto (antiga Vila Rica), Paranapanema, Pitangui, Ribeiro do Carmo
(Mariana), Rio das Mortes,
Sabará, São Caetano, São Jerônimo,
São João Del Rey, Serro Frio, Sumidouro
e também indivíduos em locais não definidos.
Na
lista elaborada pela pesquisadora Neusa Fernandes, há indivíduos que também são
mencionados na Genealogia Paulistana (não como cristãos-novos).
Silva Leme e antigos genealogistas não identificaram povoadores com
ascendências judaizantes, em razão da ausência de pesquisas no período e
“pensamento” da época, que pretendia omitir qualquer vínculo genealógico com
cristãos-novos.
Nos casos dos
cristãos-novos listados por Neusa Fernandes) que porventura possuem ascendência
descrita na Genealogia Paulistana, são
exemplos crassos em que estes povoadores/habitantes de Minas Gerais, mantiveram a prática dos ritos judaicos e/ou
tiveram sua ascendência reconhecida e foram classificados, a sua época, como
cristãos-novos.
Para exemplificar os
casos acima descritos, é oportuno observar a ascendência de três indivíduos: Os irmãos Bernardo Campos Bicudo e José
Campos Bicudo (de Pitangui) e Garcia
Rodrigues Paes (Rio das Mortes).
Bernardo
(ou Bernardino) Campos Bicudo e José Campos Bicudo,
moradores em Pitangui, descritos respectivamente nos Capº 5º e 6º do título “Campos”, Vol IV, pág. 166 da Genealogia
Paulistana, eram filhos de Margarida Bicudo e Filipe de Campos Banderborg,
netos maternos de Maria Bicudo (casada com Manoel Pires), falecida em 16 de
janeiro de 1659 em Santana do Parnaíba, São Paulo; por Maria, eram bisnetos de Antônio Bicudo {Carneiro} c/c Isabel
Rodrigues. Interessante notar que a ascendência e transmissão do sobrenome
“Bicudo” foi matrilinear. Os irmãos Bernardo (Bernardino) e José Campos constam
como cristãos-novos nos estudos de Neusa Fernandes. Temos, aqui, claro exemplo de
continuidade dos ritos judaicos, verificados em povoadores de Minas Gerais com
ascendência comprovadamente cristã-nova.
Garcia
Rodrigues Paes, “construtor” do Caminho Novo é um caso singular.
Em diligência de Habilitação para a Ordem de Cristo, realizada a 29 de outubro
de 1710 o requerente não foi aprovado, em razão de ser “infamado de cristão-novo por parte de sua avó materna por famas
constantes e por estes impedimentos se julgou por incapaz de entrar na ordem
(...)”. Este fato fez o ilustre bandeirante constar na relação da
pesquisadora Neusa Fernandes, como cristão-novo de Minas Gerais.
Silva Leme, ao tratar de
Garcia Rodrigues Paes na pág. 455 do Vol. II da GP menciona que o mesmo fora
agraciado em 1702 como cavalheiro fidalgo da Casa Real, por “seus serviços”, mas nada
menciona sobre a reprovação na Habilitação de 1710, por sua ascendência
cristã-nova.
Sobre Garcia Rodrigues
Paes, sua avó materna era Maria Betting,
esposa de Garcia Rodrigues Velho; a dita Maria Betting era filha do alemão
Geraldo Bettink e Custódia Dias, e neta materna de Manoel Fernandes e Susana
Dias. Manoel Fernandes pertence aos “Fernandes Povoadores”, hoje conhecidos
como cristãos-novos. Interessante notar também que Susana Dias era neta
materna de João Ramalho e da índia Bartira. Sobre João Ramalho, há estudos e
opiniões conflitantes sobre sua origem judaizante. Independente da ascendência
de Susana Dias, temos aqui outro exemplo de um antigo povoador de Minas, com
raízes judaizantes. Garcia Rodrigues Paes, sem dúvida, é nome de vulto na
História de Minas Gerais.
Certamente, na abrangente
e ampla listagem apresentada pela pesquisadora Neusa Fernandes, caberia
interessante estudo da ascendência dos indivíduos, não só daqueles com
ascendência paulista, mas de todos. Muito seria revelado acerca das relações
familiares e transmissão do judaísmo no período.
Diante de todas as
considerações fica demonstrado a meu modo, as raízes judaizantes dos primeiros
povoadores de Minas Gerais, e, por consequência, a nossa ancestralidade também
ligada aos cristãos-novos. Um legado esquecido por muitos anos, mas com
considerável estudo e resgate na atualidade, com diversos trabalhos, pesquisas
e publicações. Certamente, ainda há muito a ser feito!
BIBLIOGRAFIA:
VASCONCELOS, D. História Antiga das Minas Gerais.
Beltrão & C – Livreiros e Editores. 1901. Ouro Preto.
LEME, L.G.S. Genealogia Paulistana. Luiz Gonzaga
Silva Leme (1852-1919). Transcrito/publicado por: http://www.arvore.net.br/Paulistana/
FERNANDES, N.. A Inquisição em Minas Gerais no Século XVIII. 2ª ed. – Rio de
Janeiro: EdUERJ, 2004. 212 p. ISBN: 85.7511.069.1. Conteúdo consultado: pag.
177 a 184 – Anexo 4.
SALVADOR, J.G.. Os cristãos-novos: povoamento e conquista
do solo brasileiro, 1530-1680. São Paulo, Pioneira, Ed. Da Universidade de
São Paulo, 1976. CDD-981.021-301.45296081.
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