sábado, 6 de novembro de 2021

Descrição da descendência de Violante Loba

 

Neste esboço, faço a reconstituição da descendência de Violante Loba, cristã-nova natural e residente em Beja-PT, no século XVI. Todas as informações aqui constantes foram extraídas das sessões de genealogia dos processos de Maria das Neves (presa a 23/08/1628), Isabel Ramos (21/10/1625), Francisca Dias (30/04/1626), Estêvão Banha (16/09/1624) e certidão de casamento de Manoel Preto de Moraes com Inês Ribeira (28/11/1642).

 

SIGLAS: F: filho, N: neto, B: bisneto, TR: trineto.

 

DESCRIÇÃO DA DESCENDÊNCIA

 

Violante Loba, cristã-nova, foi filha de Manuel Rodrigues e Maria Lopes, moradores de Beja. Violante casou duas vezes: a primeira com Manuel Rodrigues, cristão-novo, e a segunda vez com Gaspar Banha, cristão-velho, sapateiro, filho de Pedro Banha, também sapateiro, morador em Beja e Isabel Jorge.

Do primeiro matrimônio, com Manuel Rodrigues (cristão-novo), houve a filha:

 

F1 – Maria Lopes, falecida antes de 29/08/1624, cc Manuel Luís Preto, cristão-velho, sapateiro, filho de Luís Dias, “dizimeiro” e Francisca Dias. Manuel Luís tinha por irmãos Thomé Dias, sacerdote, falecido em São Tomé, Gaspar Dias, Maria Dias e Isabel Luís. Filhos de Maria Lopes e Manuel Luís:

 

F1N1 – Brás Manuel, nascido aprox. em 1599. Com 25 anos, onde se ausentou não se sabe para onde em 1624. No processo da irmã Francisca Dias, é mencionada como boticário e residente em Sevilha, Espanha, casado com a castelhana e cristã-velha Isabel. Falecido antes de 18/06/1628. Filhos:

F1N1B1 – Antônio, com 7 anos em 1626.

F1N1B2 – uma filha de 9 anos.

F1N1B3 – uma filha de 4 anos.

 

F1N2 – Maria Luís, casada com João Fernandes, sapateiro de obra-grossa, com os filhos:

F1N2B1 – Manuel, de 7 anos em 1626.

F1N2B2 – Inês, de 9 anos.

F1N2B3 – Maria de 4 anos.

 

F1N3 – Isabel Luís, viúva de Domingos Fernandes, cristão-velho, sapateiro de obra-grossa. Presa a 21/10/1625 e auto-de-fé a 30/11/1626. Do casamento, houve os filhos:

F1N3B1 – Francisca, casada com um lavrador, cristão-velho. Não foi citada no depoimento da prima Isabel Ramos.

F1N2B2 – Maria, solteira, com 12 anos em 1626.

F1N2B3 – Joana, de 7 anos.

F1N2B4 – Manuel Luís, morador de Beja casado com uma cristã-velha, de nome desconhecido pela depoente Isabel Ramos. Teve sete filhos.

F1N2B5 – Brás, “moço de pouca idade”, segundo Isabel Ramos.

 

F1N4 – Francisca Dias, nascida aprox. em 1566 em Beja. Batizada na Igreja de Salvador de Beja, tendo por padrinhos Fernão Paes e Maria Lopes. Seu padrinho de crisma foi Gaspar Rodrigues. Já viúva antes de 29/08/1624 de Manuel Rodrigues Barroso, filho de Fernão Rodrigues e Isabel Ramos (o processo de Estêvão Banha equivocadamente o chama de Fernão), cristão-velho e lavrador. Francisca foi presa a 30/04/1626 e auto-de-fé a 22/09/1626. Sofreu tormento (tortura).  Filhos do casal:

 

F1N4B1 – Fernão Rodrigues. Lavrador, casado com Maria Dias, cristã-velha, com os filhos em 1626:

F1N4B1TR1 – Luísa, com 10 anos. 13 anos em 1629.

F1N4B1TR2 – Francisca, de 7 anos. Provavelmente falecida antes de 1629.

F1N4B1TR3 – Isabel, de 2 anos. 7 anos informados pela prima Maria das Neves, em 1629.

 

F1N4B2 – André Rodrigues. Sapateiro de obra-grossa, casado com Maria [Terneira] cristã-velha, com os filhos:

F1N4B2TR1 – Manuel, com 3 anos em 1626. 6 anos citados em 1629, pela prima Maria das Neves.

F1N4B2TR2 – Maria, de 5 anos em 1626, 7 anos em 1629.

F1N4B2TR3 – Violante, com 2 meses em 1626, 2 anos em 1629.

 

F1N4B3 – Isabel Ramos. Casada primeira vez com Manuel Dias, cristão-velho e lavrador, filho de João Fernandes e Leonor Dias, falecido antes de 1621. Isabel casou segunda vez com Francisco Fernandes, cristão-velho, barbeiro. Já viúva em 1626.

Do 1º casamento com Manuel Dias, houveram os filhos:

F1N4B3TR1 – Maria, com 15 anos em 1626. É a Maria das Neves, presa a 23/08/1628 e auto-de-fé a 01/04/1629, solteira.

F1N4B3TR2 – Manuel, com 13 anos em 1626. Citado com 16 anos de idade pela irmã em 1629, como “Manoel Preto, sapateiro, que se ausentou de Beja não se sabe para onde nem se é vivo”. Este é Manuel Preto de Moraes, que imigrou para São Paulo-BR e casou a 28/11/1642 com Inês Ribeira, onde é declarada sua naturalidade e filiação. De seu matrimônio houve numerosa descendência no Brasil.

Do 2º casamento com Francisco Fernandes, houve a filha:

F1N4B3TR3 – Maria, com 5 anos em 1626.

 

F1N4B4 – Maria José, casada com Manuel de Souza, sapateiro de obra-prima, ⅛ cristão-novo (procº de Francisca Dias) ou ¼ cristão-novo (procº de Isabel Ramos), com o filho:

F1N4B4TR1 – Fernando, com 5 anos em 1626.

 

F1N4B5 – Manuel Rodrigues, falecido antes de 1628, solteiro. Citado no processo da irmã Isabel Ramos.

 

Do segundo matrimônio, com Gaspar Banha (cristão-velho), houveram os filhos:

 

F2 – Estêvão Banha, nascido aprox. em 1559, batizado na igreja de Salvador de Beja pelo mestre Manuel Feio. Teve por padrinho de crisma Brás das Neves, cristão-velho. Preso em 19/06/1624 por judaísmo, com 65 anos de idade declarados a 29/08/1624 (depoimento constante na sessão de genealogia do seu processo). Auto-de-fé a 29/11/1626. Era rendeiro, casado com Catarina de Souza (ou Serra), cristã-velha, sem filhos. Estêvão sabia latim e estudou um ano de filosofia e três anos de “casos de consciência” na universidade “desta cidade” [Évora ou Beja?]; nunca saiu do reino e nele esteve em Lisboa, Montemor e Mertola.

 

F3 – Isabel Jorge (ou Lobo), já falecida a 29/08/1624. Foi casada com Brás Dias, oleiro, cristão-velho. Filhos:

 

F3N1 – Diogo Dias, oleiro, cc Maria Corrêa, cristã-velha. Filhos:

F3N1B1 - Brás, com 12 anos em 29/08/1624.

F3N1B2 - Manuel, com 5 anos.

F3N1B3 - Gaspar, com 3 anos.

F3N1B4 - Maria, com 10 anos.

 

F3N2 – Estêvão Banha, oleiro, cc Inês (ou Maria) Vaz, cristã-velha, falecida entre 1624 a 1626; tiveram o filho:

F3N2B1 - Brás, com 8 anos em 29/08/1624.

 

F3N3 – Maria Cochilha, com 25 anos em 29/08/1624, solteira, residente em Beja. Em 1626, no processo de Francisca Dias é mencionada casada, mas o nome do marido era desconhecido.

Outros filhos de Violante Loba, cujo nome do pai não é confirmado com exatidão:

 

F4 – Gabriel Lobo. Falecido antes de 1626. Foi sapateiro, solteiro.

 

F5 – Antônio Rodrigues. Casado com Maria Rodrigues, cristã-nova. Falecido antes de 1626. Sem filhos.

 

 

OBSERVAÇÕES:

 

1) Nos processos de Isabel Ramos e Francisca Dias, consta que Gaspar Banha seria o avô materno de Francisca Dias. No entanto, no processo de Estêvão Banha, tio de Francisca Dias, consta a informação de que Maria Lopes (mãe de Francisca Dias) seria filha de um primeiro casamento de Violante Loba, com o cristão-novo Manoel Rodrigues, e o depoente Estêvão Banha, seria filho do segundo casamento de Violante Loba, com Gaspar Banha. Entendo que é prudente seguirmos o depoimento de Estêvão, por este ser mais velho que Francisca Dias e Isabel Ramos e estar “mais próximo” dos fatos pertinentes à própria mãe (Violante Loba). É interessante a seguinte reflexão: será que Francisca Dias pensou que Gaspar Banha realmente seria seu avô materno ou o citou como tal em razão deste ser cristão-velho, e, com isso, “reduzir” sua fração cristã-nova?

 

2) Sapateiro de “obra-grossa” seria o ofício responsável pela fabricação das solas dos calçados; sapateiro de “obra-fina” seria o responsável pelos acabamentos do calçado, na parte superior.

 

 


Referências Bibliográficas:


 

PROCESSOS DO TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO (Torre do Tombo):

 

Maria das Neves:

http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2363489

 

Isabel Ramos:

http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2366803

 

Francisca Dias:

http://digitarq.arquivos.pt/details?id=2366837

 

Estêvão Banha:

https://digitarq.arquivos.pt/details?id=2363334

 

CERTIDÃO de CASAMENTO (São Paulo, 28/11/1642): Manoel Preto de Moraes e Inês Ribeira. O registro informa a naturalidade e filiação dos noivos.


Os gestos que nós perdemos. Dissertação de Mestrado de João Manuel Lagarto de Brito. Universidade do Porto, 2006. 114 p.

domingo, 8 de agosto de 2021

NOBREZA FEUDAL e ABSOLUTISTA: Breve Estudo

Quando investigamos nossas ascendências pré-coloniais em Portugal, nos costados e ramos cuja possibilidade se dá, nos deparamos com uma série de denominações, mercês e senhorios em que, muitas vezes, nos causam dúvidas.

Afinal, o que era ser “nobre”? O que era ser “fidalgo”? O que significava um indivíduo ser “Fidalgo da Casa Real”? Os senhores de vilas e solares eram nobres no mesmo nível daqueles do Paço Real? Quais eram as prerrogativas da nobreza?

Tentarei aqui responder estas e outras perguntas. O assunto é complexo, extenso e há diversas bibliografias que tratam da matéria. Meu intuito é compilar um brevíssimo resumo/síntese do tema; minha referência será Portugal, em especial, as explanações de Felgueiras Gaio quanto a nobreza e os livros de Antônio Costa e Sanches de Baena (vide referências), com comentários posteriores sobre o Império do Brasil.

 

DEFINIÇÕES INICIAIS, REIS e TÍTULOS PRINCIPAIS

Para compreender a Nobreza como classe, é necessário compreender as transformações da Europa na transição do Império Romano para o Período Medieval. Em Roma, vigorava o poder absoluto do Imperador. Na Idade Média, o crescimento do meio rural em detrimento da decadência dos centros urbanos e descentralização político-militar trouxe a necessidade de uma nova configuração de poder.

A precariedade das comunicações, transportes e a escassez populacional em diversos territórios, trouxe a necessidade dos novos soberanos se apoiarem em senhores regionais, cada um com seus contingentes militares e terras. Estes, em conjunto com a Igreja, seriam responsáveis pela observância das leis, da ordem e defesa de seus territórios. Portanto, de certa forma, não considero erro entendermos estes senhores e nobres como “servidores públicos” de seu tempo. Nesta época não havia distinção do que seriam bens públicos e privados, simplesmente porque tais conceitos não existiam.

Quanto a questão governamental e territorial, em nível macro, um Império constitui-se de um conjunto de Reinos (em teoria); Sob os domínios do Rei, haviam duques, marqueses, condes, viscondes e barões (estes últimos, “abundantes” na Inglaterra e no Império do Brasil).

Os ducados (duques) eram territórios relativamente amplos, como províncias na atualidade. Muitas vezes, infantes reais se tornavam duques.

Os marqueses, geralmente raros, eram “condes de maior importância”, com altos cargos na administração do reino.

Os condados (condes) eram territórios dos mais destacados Senhores, sucedendo os denominados “ricos-homens”. Os viscondes, via de regra, eram vassalos dos condes.

Barões, inicialmente, eram vassalos que serviam diretamente ao Rei, mas na Inglaterra o dito título foi utilizado por importantes senhores de terras, e assim disseminado. No Império do Brasil, assim também foi.

Importante salientar que estes títulos não eram como “carreiras”, com “promoções” a vista. Eram títulos [geralmente] familiares, relacionados a posses, direitos, prerrogativas e territórios, com regras de transmissão específicas, na maioria dos casos, hereditários, por linha primogênita e de varonia.

Nas situações em que não havia sucessão, estes títulos ficavam em posse do Rei, até nova transmissão, seja para um descendente ou parente habilitado, seja para outrem, de acordo com documento régio.

 

COMPROVAÇÃO de NOBREZA, FIDALGUIA e BRASÕES

Importantes entendermos a “materialização da honra”, como um diferencial nas relações sociais e de poder do período. Segundo RAMINELLI (2016) a honra não era um mero valor, mas sim algo materializado. Ser nobre, nos períodos descritos, era ter reconhecimento social, usufruir de privilégios, de acesso diferenciado em instituições militares, religiosas, administrativas e isenções de impostos, trabalhos forçados e penas infames, em caso de condenação criminal, sem falar de justiça/julgamento diferenciado, em casos específicos. Alguns indivíduos eram nobres em razão da ascendência, outros conseguiam tal prerrogativa por serviços ao Estado e ao Rei.

Aqueles que, porventura, descendiam diretamente de membros da nobreza, eram chamados de fidalgos (“filho d’algo”). Estes constituem a nobreza hereditária, geralmente descendentes dos antigos senhores de terras.

Documentos como “instrumentos (justificações) de nobreza” serviam para tal fim, de comprovação da linhagem, cujo requerente poderia atestar sua origem familiar na nobreza. Em muitos casos, a Justificação de Nobreza antecedia a Carta de Brasão de Armas (C.B.A.) ou concessão de determinado título. Temos o exemplo do paulista Pedro Dias Paes Leme, com Justificação em 1741 e C.B.A. em 1750.

Os chamados “instrumentos de pureza (de sangue)” tinham por objetivo demonstrar que o indivíduo não possuía ascendência “impura” (palavra usada nos processos), ou seja, não serviam diretamente para comprovação da nobreza, mas, dependendo da família em que o requerente pertencia, indiretamente, servia para este fim. Em São Paulo, por exemplo, temos o caso de Balthazar de Moraes D’Antas, que reproduziu o instrumento de pureza de sangue de seu irmão Belchior de Moraes D’Antas; uma vez que o documento informa a ascendência nos Senhores de Vimioso, há comprovação de vínculo com a nobreza. O mesmo ocorre nos casos de “habilitações de genere et moribus”. Estes documentos tinham por objetivo demonstrar a “ascendência propícia” para exercício de funções religiosas, militares e ingresso em ordens específicas, mas, a depender da família, poderiam documentar ascendência na nobreza.

Processos assim eram relativamente complexos. Segundo RAMINELLI (2016), testemunhos, documentos, certidões de batismo, atestados de genealogistas e transcrições de obras impressas eram instrumentos de comprovação genealógica, onde era importante também constar informações quanto ao “modo de vida” e o não-exercício de ofícios mecânicos, considerados impeditivos para a nobreza.

A Carta de Brasão de Armas (C.B.A.) era o instrumento pelo qual o indivíduo não só se habilitava como nobre, mas também como portador do direito de usar as insígnias dos sobrenomes dos quais ele demonstrou ser descendente. Era algo que estava além de ser nobre e/ou fidalgo. Havia casos em que o indivíduo poderia ser o primeiro de determinada família a registrar seu brasão, como, por exemplo, no caso de Martim Leme, flamengo radicado em Lisboa e seu filho Antônio Leme (descrição mais detalhada destes adiante).

Na transmissão de brasões e títulos, a regra é mais ou menos semelhante a transmissão de um trono real. Primogênitos são os herdeiros diretos, preferencialmente os homens. No caso dos brasões, aqueles que são descendentes dos ramos não-primogênitos possuem o direito de usarem brasões “com brisuras”, isto é, com diferenciação na insígnia, sempre observando-se neste direito os limites quanto ao número de quebras de varonia.

Atualmente, com regimes republicanos em vigor no Brasil e Portugal, as pessoas exibem e confeccionam brasões livremente, apenas por terem determinado sobrenome. Isto, aos olhos do Direito Nobiliário, constitui em usurpação. O fato de possuirmos determinado sobrenome, não significa que somos descendentes daqueles que o originaram, e, mesmo que sejamos descendentes de um ramo originário de determinado apelido, deve-se observar se há o direito no usufruto do brasão. “Quebras de varonia” geralmente contribuem para o afastamento do direito de utilização de um brasão.

Hoje por exemplo, em Portugal, há o Instituto da Nobreza Portuguesa, instituição particular que “concede” tal direito (coloco entre aspas por ser uma instituição particular), cujo presidente de honra é S.A.R. D. Duarte Pio, Duque de Bragança. O dito instituto, procura preservar as regras de transmissão de acordo com o Direito Nobiliário e seus respectivos títulos, ainda que seja em caráter não-estatal.

 

SENHORES de SOLAR e FIDALGOS DA CASA REAL

Os Fidalgos de Solar ou Senhores (“Fora da Matrícula”) eram considerados de “primeira classe”, equiparados aos fidalgos de linhagem por carta do Rei. Eram proprietários de terras e senhores de vilas (geralmente, habitações de camponeses dentro de seus domínios), com usufruto de rendas e aplicação da justiça. Paulatinamente, com o fortalecimento do Regime Absolutista, essas posses se convertiam em Morgadios, que consistiam em propriedades instituídas pelo rei a pedido de uma família, cuja venda ou divisão só poderiam ocorrer mediante autorização régia.

Neste espectro “Fora da Matrícula”, havia também aqueles viviam na Lei da Nobreza, embora não estivessem enquadrados como Senhores de Solar e/ou Fidalgos da Casa Real. Estes indivíduos eram em muitos casos justamente aqueles que descendiam de fidalgos, mas não por linhas primogênitas, mas ocupavam funções de escudeiros, cavaleiros e fidalgos de cota de armas. Visto que tais indivíduos não herdavam os senhorios, o que “restava” a estes eram bons casamentos, cargos militares ou funções eclesiásticas. Dependendo do caso, poderiam se tornar fidalgos da Casa Real.

Os Fidalgos da Casa Real (“Matrículas da Casa Real”) eram aqueles que serviam no Paço Real. Todos recebiam quantias periódicas e cevada para os cavalos. As funções destes eram exercer atividades de suporte e acompanhamento ao Rei e família, além de funções domésticas. De forma simples e direta, estes eram servidores públicos com funções próximas ao Rei e poder central, mas necessariamente selecionados dentre famílias fidalgas, exceto quando o Rei, por mercê, concedia tal condição a alguém de sua simpatia ou preferência.

Um indivíduo, em determinadas situações, poderia perder a sua condição de nobre. Dentre os principais fatos para tal, GAIO destaca: fugir de batalha, ferir mulher com espada ou lança, não libertar o Rei ou Infante, falso testemunho, mentir para o Rei, falar mal da Rainha ou filhas, furto e blasfêmia a Cristo. Aqui, intrinsicamente observamos, o homem ideal medieval como exemplo de Nobreza.

Após as breves exposições aqui descritas, é interessante tratarmos das transformações pelas quais os nobres vivenciaram, em Portugal e no Brasil.

 

EVOLUÇÃO NOBILIÁRQUICA

REINO de PORTUGAL

A nobreza portuguesa surgiu a partir de D. Afonso Henriques ter se tornado Rei de Portugal, no momento que os ditos domínios deixaram de ser um condado do Reino de Leão. Além da Dinastia Afonsina com os respectivos reis, destacamos as famílias constituintes dos principais senhorios, conforme o índice da obra de PIZARRO: Sousa, Bragança (descendentes de Mendo Alão), Maia, Baião, Ribadouro, Barbosa, Riba-de-Vizela, Guedões, Lanhoso, Briteiros, Valadares, Soverosa, Cabreira, Nóbrega, Trastâmara, Portocarreiro, Cunha, Correia, Molnes, Urgezes, Moreira, Madeira, Dade e Góis.

Destas famílias, surgiram também outras linhagens e famílias. Observamos que algumas destas famílias eram de Castela. Aqui percebemos muito as características da era feudal, sem a considerável centralização de poder das eras seguintes, embora, para vários autores, Portugal esteve longe de experimentar a descentralização feudal que vigorava na França, Itália e Alemanha, por exemplo.

Quando D. João I foi aclamado Rei e venceu a batalha em Aljubarrota (1385), mudanças ocorreram. Considerável parte da nobreza portuguesa apoiou Castela, a parte derrotada, e consequentemente ocorreu um processo de “reciclagem” na nobreza, com muitos dos apoiadores do Mestre-de-Avis alçados aos senhorios espoliados. Neste processo, observou-se a construção do absolutismo português, cujo rei passou a acompanhar com mais proximidade uma série de atos, mercês e autorizações. Interessante é o caso do célebre D. Nuno Álvares Pereira, herói militar e braço direito de D. João I, cuja atuação lhe rendeu posse de diversos senhorios oriundos dos Telles de Menezes e outras famílias, derrotadas. Toda esta herança “fluiu” para os futuros Duques de Bragança, que por via materna eram descendentes do dito Nuno Álvares Pereira.

No referido reinado de D. João I, foi também instituída a figura do “rei de armas”, profissionais ordenados com o intuito de validarem as informações das C.B.A.s e confeccionar os brasões. Daí, iniciou-se a arte heráldica no reino português. No reinado de D. Duarte, filho de D. João I, foi concedida a primeira C.B.A. a Gil Simões, em 1438 (informações de BAENA).

No Reinado de D. Manuel (1495-1521) ocorreram profundas e importantes reformas nas regras nobiliárquicas e no uso das armas heráldicas, com diferenciação de ordens e regras de transmissão. Aqui destacamos o famoso Salão dos Brasões de Sintra, com as armas das principais famílias do Reino. Neste período também foi confeccionado o livro do armeiro-mór de João de Cró, com os brasões das famílias do reino.

Neste período de navegações e expansão comercial, ocorreram também novas nobilitações.

Exemplo de nobilitação são os Lemes. Martim Leme (pai), comerciante flamengo, obteve sua C.B.A. em razão de apoio financeiro ao Reino, e Antônio Leme (filho) obteve seu próprio brasão em razão do comando na urca (patrocinada pelo pai) e participação na tomada de Tânger e Arzila, no Marrocos. Mesmo que a família tivesse nobres origens em Flandres, eram novos e desconhecidos em Portugal, até sua chegada. Outro caso é Duarte Brandão (Edward Brampton), cristão-novo que foi alçado à nobreza.

Além das novas nobilitações, havia muitos abusos também, ensejando na necessidade de reformas periódicas por parte de monarcas e nomeações de novos reis de armas, periodicamente.

A Restauração (1640) e o terremoto de Lisboa (1755) foram eventos que demandaram apoio à Dinastia de Bragança, em especial da Nobreza, seja aquela da antiga fidalguia, seja daqueles recentemente habilitados. O terremoto, dentre muitas outras muitas percas, significou a destruição de todo o Cartório da Nobreza, em especial 13 livros com 3 mil C.B.A.s. Destas, apenas 150 foram salvas, por estarem em um livro particular externo ao cartório. Este livro se tornou a nova referência, e a partir deste surgiram mais oito livros, com registros de novas C.B.A.s (BAENA).

O fato é que muitos indivíduos se alçaram a Nobreza, em especial, aqueles que se enriqueceram nas atividades comerciais e desejavam status quo, inclusive estrangeiros.

Certamente, todos estes “nobres-novos” despertavam a reprovação daqueles pertencentes a antiga nobreza. Este processo de “nobilitação” continuou no Período Pombalino, e foi ampliado consideravelmente no reinado de D. Maria e regência de seu filho D. João VI, em território brasileiro (ver adiante o texto sobre o Império do Brasil).

BAENA, em sua majestosa obra, nos traz alguns números interessantes sobre Portugal. Segundo o autor até 1856 existiam 315 titulares, sendo 7 duques, 21 marqueses, 79 condes, 33 viscondes com grandeza, 13 barões com grandeza 69 viscondes 93 barões; destes, apenas 26 tiraram C.B.A.s, mas muitos outros usavam os diplomas, sem terem se habilitado formalmente para tal.

A obra de BAENA é o maior “inventário” destes registros portugueses, cuja reconstituição deu-se com 75 C.B.A.s encontradas na Biblioteca de Évora, 523 (sucessões e mercês novas) C.B.A.s no Real Archivo (atual Torre do Tombo) e 853 C.B.A.s registradas no Cartório Privativo da Nobreza.

Com a implantação do regime republicano em Portugal, no ano de 1910, foram extintos os títulos e condecorações no reino.

IMPÉRIO DO BRASIL

D. Maria e o príncipe-regente D. João VI, ao aportar no Brasil e tornar aqui sede do “Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarves”, necessitaram de apoio político e financeiro dos grandes comerciantes e fazendeiros residentes no Brasil. Entre 1808 a 1821, foram agraciados 11 duques, 64 condes, 91 viscondes e 31 barões. Foram distribuídos mais títulos neste período do que 300 anos antes em Portugal.

Embora muitos interpretem esse número como uma simples “compra-e-venda de títulos de nobreza”, desqualificando a Casa Real e a recém-nascida nobreza de solo brasileiro, entendo que este processo foi normal e compatível com a dimensão de nosso território e ausência de outorgas antes de 1808 em nossas terras. Havia aqui uma “elite excluída” de grandes títulos, antes só concedida àqueles residentes em solo português. Os “brasileiros” antes agraciados, recebiam em geral, apenas cargos de natureza civil ou política, ingresso em ordens militares e religiosas, e C.B.A.s..

A Independência brasileira, oficializada em 1822, tornou “sem efeito” (para o Brasil) os títulos concedidos entre 1808 a 1821, visto que estes eram vinculados a Casa Real portuguesa. Na prática, muitos foram ratificados (transferidos) por D. Pedro I como títulos brasileiros, mediante apoio ao novo monarca, obviamente. Temos, por exemplo, o Barão de São João Marcos, inicialmente outorgado por D. João VI a 05/02/1818 (título português) e posteriormente a 05/12/1822 (título brasileiro), por D. Pedro I.

Entre 1822 a 1824, a legislação portuguesa serviu de “embasamento teórico-legal” para a concessão de títulos por parte de D. Pedro I no Brasil.

A Constituição brasileira de 1824 introduziu regras divergentes daquelas comuns em Portugal: privilégios financeiros deviam ser aprovados pelo legislativo e deixavam de serem automáticos, haveria obrigatoriedade de pagar tributos, extinção de acesso automático ao Senado e da hereditariedade automática. A concessão cabia ao Executivo. Observa-se aqui a criação de uma classe nobiliárquica ligada a política e totalmente atrelada aos interesses do Imperador.

O processo de concessão envolvia pagamento de custos e não poderia apresentar em sua ascendência indivíduos com crime de lesa-majestade, ofício mecânico ou “sangue infecto”.

Foi criado um Cartório de Nobreza e Fidalguia, com alguns documentos ainda do período joanino. Muito da documentação se perdeu. Além dos registros, o dito cartório também atuava na confecção de brasões. Cópias de parte da documentação, enviadas ao Visconde Sanches de Baena, e documentos existentes no Arquivo Nacional embasaram o trabalho dos Barões de Vasconcelos a constituir o Arquivo Nobiliárquico Brasileiro.

D. Pedro I criou 48 barões, 49 viscondes, 8 condes, 27 marqueses, 2 duques e 2 renovações para descendência. Após sua abdicação, no período regencial (1831-1840), não houve outorga de títulos.

D. Pedro II, em seu longo reinado (1840-1889), criou 757 barões, 57 “barões com grandeza”, 69 viscondes, 114 “viscondes com grandeza”, 42 condes, 20 marqueses e 1 duque.

Interessante também é o fato de brasileiros poderem portar C.B.A.s, e ordens/condecorações da nobreza portuguesa, seja àqueles concedidos antes da Independência (1808-1822), seja também os títulos portugueses concedidos a residentes no Brasil após a referida data. Sanches de BAENA, em sua majestosa publicação, descreve nas páginas finais “extractos das cartas de brasão d’armas passadas no Brazil antes e depois da independência do Império”. Dentre estes, alguns brasileiros requisitaram C.B.A.s [de sobrenomes] junto ao Reino de Portugal, após 1822, em semelhança ao período colonial.

O golpe republicano de 1889 e a Constituição de 1891 extinguiram todos os títulos e distinções nobiliárquicas, e foi proibida também a aceitação de foros de nobreza e condecorações estrangeiras sem permissão da República brasileira. No entanto, em caráter informal, alguns títulos foram mantidos.

No dia 21/12/1889, mediante o Decreto nº 78-A, a Família Imperial foi banida do solo brasileiro, só tendo permissão para retornar após 1920.

 

BIBLIOGRAFIA:

 

GAIO, Felgueiras, 1750-1831. Nobiliário de famílias de Portugal / Felgueiras Gaio. - [Braga] : Agostinho de Azevedo Meirelles : Domingos de Araújo Affonso, 1938-1941 (Braga : : Pax). - 17 v. : il. ; 30 cm; Digitalizado e disponível em: http://purl.pt/12151

 

BAENA, Visconde Sanches de. Archivo Heráldico-Genealógico. Lisboa, Tipographia Universal. 1872. Conteúdo digitalizado em posse do autor.

 

COSTA, Antonio Luiz M. C.. Títulos de Nobreza e Hierarquias: um guia sobre as graduações sociais na história / Antonio M. C. Costa. – São Paulo : Draco, 2014. ISBN 978-85-8243-071-2.

 

RAMINELLI, Ronald. Justificando nobrezas – Velhas e novas elites coloniais 1750-1807. História (São Paulo) v.35, e97, 2016 ISSN 1980-4369. Disponível em: DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1980-436920160000000097

 

PIZARRO, José Augusto de Sotto Mayor. Linhagens Medievais Portuguesas. Genealogias e Estratégias (1279-1325). Volumes I e II. Dissertação de doutoramento em História da Idade Média – Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Porto, 1997. Conteúdo digitalizado em posse do autor.

 

SILVA, Camila Borges. Títulos e mercês na corte joanina. Artigo publicado em 30 de maio de 2018. Disponível em: http://historialuso.an.gov.br/

 

sábado, 17 de abril de 2021

Lopes da Silva e Pereira Lisboa (e-book / divulgação)

 

Caros Leitores,

Tenho o prazer e satisfação de divulgar a todos o livro “Lopes da Silva e Pereira Lisboa: Duas famílias, uma origem”.





O livro é uma ampliação dos ramos e descendência de ambas famílias, já estudadas (muito sucintamente) neste blog. Aqui exploramos mais detalhes da vasta prole nas localidades de Barbacena, Bias Fortes, Juiz de Fora, Ewbanck da Câmara e Piau.

Aqueles que desejarem receber o e-book por email, gratuitamente, podem escrever para o meu e-mail: saulo_franco@yahoo.com.br.

Abraço a todos!

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

CRONOLOGIA e NÚMEROS DA INQUISIÇÃO

 

Atualmente, a Inquisição portuguesa e as sagas dos cristãos-novos são assuntos de destaque na genealogia brasileira, seja pelos excelentes trabalhos, livros e pesquisas desenvolvidos nos últimos anos, seja pela concessão de cidadania portuguesa a descendentes de judeus sefarditas, após o ano de 2015.

Há muitas obras de renome, repleta de informações; mas sempre “senti falta” de uma compilação cronológica básica e um resumo quantitativo do número de pessoas sentenciadas.

Nesta breve postagem, em consulta a três obras renomadas (vide referências), faço a exposição proposta.

Reitero que os sentenciados não constituem cristãos-novos em sua totalidade. Há uma série de “crimes” categorizados pelo Santo Ofício, como bigamia, sodomia, blasfêmias, etc. Apenas nos dados do Brasil, graças ao trabalho do saudoso BOGACIOVAS (2015), há o destaque numérico quanto aos praticantes do judaísmo.

 

Cronologia:

NOVINKSKY (2015) elaborou interessante sequência cronológica acerca dos eventos da Inquisição. Dentre as datas destaco as mais decisivas (e incluo algumas):

1492 – (Março): Decreto de expulsão dos judeus da Espanha.

1492 – (Agosto): Saída dos judeus da Espanha.

1496 – (5 de Dezembro): Expulsão dos judeus e mouros - D. Manuel.

1497 – (Abril): São tirados dos judeus os filhos menores de 14 anos.

1497 – (Maio): Provisão para não haver inquirições por 20 anos.

1497 – (Outubro): Batismo forçado de todos os judeus.

1499 – (21 de Abril): Proibição aos conversos de saírem do Reino.

1540 – (20 de Setembro): primeiro Auto-de-Fé em Lisboa.

1552 – Primeiro Regimento da Inquisição (Cardeal D. Henrique).

1580 – Filipe II, da Espanha, se torna Rei de Portugal (União Ibérica)*

BRASIL:

1591 – Primeira Visita Oficial da Inqº a Bahia (Heitor Furtado Mendª).

1593 – Visitação em Pernambuco.

1595 – Fim da primeira visitação ao Brasil.

1618 – Segunda Visita a Bahia (Marcos Teixeira).

1627 – Visitação à região Sudeste (Luís Pires da Veiga).

1635 – Devassa contra religiosos que apoiaram os holandeses.

1640 – Restauração do trono português – Dinastia de Bragança*.

1646 – Inquirições na Bahia. Intensificação das perseguições.

1648 – Grandes expedições de Raposo Tavares contra Jesuítas.

1649 – Cia Geral do Comércio (X.N.s) – apoio Pe Antônio Vieira*.

PORTUGAL e BRASIL:

1666 – Pe Antº Vieira defende os judeus perante D. Pedro II (PORT).

1773 – (25 de Maio): Fim da distinção entre XNs e XVs (M. Pombal)*.

1821 – Abolição do Tribunal da Inquisição em Portugal (Cortes).

 

* datas incluídas pelo autor desta publicação.

* explicação: XNs: Cristãos-Novos / XVs: Cristãos-Velhos.

 

Além do levantamento cronológico, é oportuno também conhecermos o número de pessoas sentenciadas pelo Santo Ofício em Portugal. Eram quatro tribunais: Lisboa, Évora, Coimbra e Goa (Índia). Na capital, incluem-se os sentenciados que residiam nos Açores, Madeira, África e Brasil.

 

Números em Portugal:

O livro “História da Inquisição em Portugal”, publicado por MENDONÇA e MOREIRA (1845), expôs os números do Santo Ofício em Portugal, nas quatro praças de atuação do Tribunal nos domínios lusos.

 

Tribunal de Lisboa:

Páginas do livro: 256 a 291

Autos-de Fé: 248

Período: 20 de setembro de 1540 a 7 de Agosto de 1794

Pessoas Sentenciadas: 7.666 pessoas (3.237 Mª e 3.787 Hº)

Relaxados em carne: 284 homens e 177 mulheres

Aqui estão inclusos os que residiam nos Açores, Madeira, Brasil e África.

 

Tribunal de Évora:

Páginas do livro: 292 a 311

Autos-de Fé: 164

Período: 22 de outubro de 1536 a 16 de setembro de 1781

Pessoas Sentenciadas: 9.973 pessoas

Relaxados em carne: 186 homens e 158 mulheres


Tribunal de Coimbra:

Páginas do livro: 312 a 339

Autos-de-Fé: 277

Período: 5 de outubro de 1541 a 26 de agosto de 1781

Pessoas Sentenciadas: 9.543 pessoas

Relaxados em carne: 142 homens e 171 mulheres

 

Tribunal de Goa (Índia):

Páginas do livro: 340 a 346

Autos-de-Fé: 71

Período: 7 de fevereiro de 1617 a 7 de fevereiro de 1773

Pessoas Sentenciadas: 4.167 pessoas

Relaxados em carne: 41 homens e 16 mulheres

 

TOTAL:

A página 348 da publicação traz um resumo geral dos números, nas quatro localidades da Inquisição portuguesa. Em todo o período (1540 a 1794), foram 31.349 pessoas penitenciadas pela Inquisição portuguesa, das quais 1.175 foram “relaxadas em carne” (condenadas à morte); destes, foram 653 homens e 522 mulheres.

 

Números do Brasil:

Bogaciovas (2015, p. 347) em tabelas, nos informa os quantitativos da Inquisição no Brasil. Os penitenciados no território brasileiro constavam nos números do Tribunal de Lisboa. Destaco:

Foram presos 778 homens e 298 mulheres (total de 1.076 indivíduos). Do total, 223 pessoas foram presas no Século XVI e outras 555 foram presas entre 1701-1750.

20 homens e 2 mulheres foram condenados a morte (relaxados ao braço secular) pela Inquisição.

 

Dos 778 homens presos:

- 373 eram cristãos-novos e 2 judeus;

- 322 foram acusados de judaísmo;

- 318 eram portugueses, e 146 eram naturais do Rio de Janeiro;

- 208 residiam na Bahia, 183 no Rio de Janeiro, 120 em Pernambuco, 55 em Minas Gerais, 40 no Pará, 26 na Paraíba, 10 em São Paulo e 10 no Maranhão;

 

Das 298 mulheres presas:

- 231 eram cristãs-novas;

- 222 foram acusadas de judaísmo;

- 162 residiam no Rio de janeiro, 41 na Bahia, 29 na Paraíba, 15 em Pernambuco, 12 no Pará, 5 em Minas Gerais.

 

Eis, nesta publicação, o resumo cronológico e numérico da Inquisição portuguesa, com desdobramentos no território brasileiro. Se o assunto possui algum destaque dentre os que estudam genealogia e história, entendo que o tema ainda é incipiente para grande parte da população brasileira, midiático e televisivo. Quantas sagas e dramas poderiam ser produzidos!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

NOVINSKY, A.. Os judeus que construíram o Brasil: fontes inéditas para uma nova visão da história / Anita Novinsky [et al]. – São Paulo: Planeta do Brasil, 2015, 304 p. ISBN: 978-85-422-0612-8.

 

MENDONÇA, J. L.. História da Inquisição em Portugal / José Lourenço de Mendonça e Antônio Joaquim de Moreira – Lisboa: J.B. Morando, 1845, 632 p..

 

BOGACIOVAS, M.. Cristãos-Novos em São Paulo (Séculos XVI-XIX): assimilação e nobilitação / Marcelo Meira Amaral Bogaciovas – São Paulo: ASBRAP, 2015, 480 p. ISBN: 978-85-918719-2-6.

domingo, 7 de fevereiro de 2021

CRISTÃOS-NOVOS EM MINAS GERAIS

 

Minas Gerais, estado da Federação com 300 anos completados no ano de 2020 quanto a “emancipação” da grande capitania de São Paulo, possui consideráveis raízes judaizantes/cristãs-novas em seus povoadores. Antes de aprofundarmos as considerações específicas ao título, se faz oportuna breve reconstituição da História de Minas Gerais.

Todo o território mineiro pertencia a capitania de São Vicente. No Século XVII, ocorreram várias expedições em busca de metais preciosos, destacando-se a expedição de Fernão Dias Paes, bandeirante de vulto na História do Brasil. O famigerado metal foi encontrado nos rios entre as atuais Mariana e Ouro Preto.

Em 1698, Garcia Rodrigues Paes (de ascendência cristã-nova) conclui o “Caminho Novo”, ligação terrestre entre o Rio de Janeiro e a região de Vila Rica (atual Ouro Preto-MG), somando-se ao já existente “Caminho Velho”, cuja via era de Paraty-RJ até as regiões auríferas, porém, pelo sul dos atuais estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Entre 1707 a 1709 ocorreu a Guerra dos Emboabas, conflito entre os paulistas, povoadores iniciais da região e os “emboabas”, indivíduos de fora da capitania, em especial os portugueses, ditos “reinóis” e povoadores de outras regiões do Brasil. A vitória dos portugueses foi decisiva, no que tange as medidas administrativas que, a partir dali ocorreriam, com a criação já em 1709 por parte da Coroa Portuguesa da grande Capitania “São Paulo e Minas do Ouro”, englobando vasto território (atuais estados São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina, Goiás e Mato Grosso).

Em 1714, foram criadas três comarcas dentro do território “das Minas”: Ouro Preto (sede em Villa Rica), Rio das Mortes (sede em São João Del Rey) e Rio das Velhas (sede em Sabará). O controle administrativo maior e mais próximo se tornou necessário certamente em razão dos ressentimentos ainda existentes do conflito e expectativas de grande extração e fluxo de ouro. Em 1720, a Capitania de Minas Gerais foi desmembrada da grande Capitania de São Paulo, o que constitui no “nascimento” oficial do atual estado.

Todas essas fases iniciais de povoamento e consolidação político-administrativa, se confundem com a presença de cristãos-novos na região.

O povoamento das regiões auríferas se intensificaram a partir da exploração do metal precioso, em grande proporção.

É oportuno destacarmos dois GRANDES FLUXOS (ANTIGOS) DE CRISTÃOS-NOVOS (E/OU DESCENDENTES) EM MINAS GERAIS:

1)      Povoamento inicial, via bandeirantes paulistas, principalmente;

2)      Portugueses, em especial aqueles que vieram no Século XVIII (Período Aurífero);

 

1) POVOAMENTO INICIAL e PRIMÓRDIOS

Quanto ao fluxo inicial de povoadores, destacamos o fluxo de paulistas para as Minas Gerais. Nestas considerações, enfatizo o interesse especial nos indivíduos que possuem ascendência descrita na GENEALOGIA PAULISTANA (GP) de Silva Leme, célebre obra genealógica publicada no início do século passado.

Os títulos da GP cujos patriarcas foram considerados cristãos-novos pela Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) são os seguintes:

- PEDROSOS BARROS

- BICUDOS

- ALVARENGAS (Antônio Rodrigues de Alvarenga apenas)

- FREITAS

- GARCIAS VELHOS

- FERNANDES POVOADORES

- JORGES VELHOS (todo Jorge-Velho é Garcia-Velho)

- CAMPOS (todos os descritos na GP são Bicudos por via materna)

- ARZAM (a esposa de Cornélio D’Arzam era filha de Martim R. Tenorio)

- TENORIOS (Martim R. Tenorio, batismo tardio; Ver G. Salvador, p. 95)

- TOLEDOS PIZAS (todo Toledo Piza é Freitas)

- GODOYS (todo Godoy é Garcia-Velho)

- FURQUINS (todo Furquim é Garcia-Velho)

- CHASSINS (Todo Chassim descende dos Bicudos e Alvarengas)

- SAAVEDRAS (Todo Saavedra é Garcia-Velho)

 

Os antigos paulistas que se dirigiram para Minas Gerais, com ascendência nos títulos acima descritos, não eram necessariamente praticantes de ritos da religião judaica enquanto viviam, mas, possuíam ascendência nos ditos “patriarcas” da Genealogia Paulistana que hoje são certificados pela Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) como cristãos-novos.

Para realizar um levantamento completo de todos os povoadores com ascendência próxima de judeus sefarditas que imigraram para Minas Gerais (não só os praticantes da religião judaica, mas de todos aqueles que possuíam ascendência), seriam necessários anos de detalhadas pesquisas, em razão da elevada descendência destes povoadores iniciais e complexidade nos levantamentos a serem realizados.

Cito, aqui, como breves exemplos, alguns casais com ascendência cristã-nova (na Genealogia Paulistana) e grande descendência nas regiões do Sul de Minas, Zona da Mata Mineira e Campo das Vertentes:

 

ANDRÉ DO VALLE RIBEIRO, b. no Valongo, Porto-PT, 24/05/1675, casou em São João Del Rey-MG em 09/05/1707 com TERESA DE MORAES (*), natural de São Paulo-SP. Teresa de Moraes é descendente, pela linha materna, de Antônio Bicudo e Isabel Rodrigues, e também bisneta do Mestre-de-Campo Antônio Raposo Tavares, este último considerado como cristão-novo pela pesquisadora Anita Novinsky.

 

FRANCISCO DE OLIVEIRA BRAGA, natural de Palmeira, Braga-PT, falecido em Baependi, São João Del Rey-MG em 25/07/1769, foi casado com ESCOLÁSTICA DO ALBERNAZ (*), natural de Pindamonhangaba-SP. Escolástica do Albernaz é descendente de Antônio Bicudo, Antônio Rodrigues de Alvarenga e Garcia Rodrigues - Isabel Velho.

 

Capitão-Mór JOÃO DE TOLEDO PIZA CASTELHANOS (*), paulista, nascido na segunda metade do Século XVII [GP, Vol. V, pag. 447], c.c. MARIA PEDROSO. Povoadores de Campanha-MG. João de Toledo Piza era neto materno de uma Maria Pedroso (homônima da esposa), que, por sua vez, era descendente de Sebastião de Freitas.

 

JOÃO INÁCIO XAVIER, natural da Candelária-RJ, casado em 1764 em Guaratinguetá-SP com MARGARIDA CARVALHO DA ENCARNAÇÃO (*) [GP, Vol. III, pag. 58]. Margarida era filha de Antônio Carvalho Marques e Maria da Motta Paes, por sua vez, descendente de Antônio Bicudo.

 

Há também povoadores que possuem ascendência em cristãos-novos de São Paulo, mas, diferentes daqueles patriarcas (troncos) da Genealogia Paulistana;

Exemplo:

GASPAR RIBEIRO DO PRADO (*), b. 24/09/1702 em São Paulo, em 23/12/1727, Barbacena-MG c.c. MARIA SOARES DE OLIVEIRA. Gaspar faleceu em Ibitipoca, São João Del Rey-MG em 06/02/1740. Gaspar Ribeiro do Prado é descendente por varonia de Manoel Preto de Moraes, português de Beja-PT, cuja irmã (Maria das Neves), mãe (Isabel Ramos) e avó (Francisca Dias) foram presas por “judaísmo, heresia e apostasia”. OBS: o autor deste texto foi certificado pela CIL como descendente de cristãos-novos por esta via.

 

Embora com menor proporção de indivíduos, é importante também mencionar o Rio de Janeiro e outras regiões/capitanias como origem de povoadores com ascendência cristã-nova;

Breves exemplos:

Capitão JOSÉ DE SOUZA PORTO, casado, em aproximados 1708 com ANTÔNIA MARIA DE AZEVEDO (*), b. 1710, falecida em Sabará-MG, 1759. Antônia Maria de Azevedo era neta materna de Alexandre Freire e Helena de Azevedo, esta última cristã-nova, natural do Rio de Janeiro, presa em 01/12/1718 e Auto-de-Fé em 1720.

 

ANTONIO ALVARES DE CASTRO, natural de Lisboa, S. Paulo, Portugal capitão-comandante da ordenança de Itacolomy em 1741, cidadão da vila de N. S. de Ribeirão do Carmo, Minas Gerais, com o foro de cavalheiro (28 de fevereiro de 1721), vereador em 1741, juiz almotacel em 1742, da vila elevada a cidade a 23 de abril de 1745, com o nome de Mariana. Casado com JOANNA BAPTISTA DE NEGREIROS (*), natural da cidade da Bahia, freguesia de N. S. do Desterro;

ALEXANDRE DA CUNHA MATTOS, guarda-mór de Villa Rica (atual Ouro Preto-MG) natural de S. Simão de Arões, Portugal, era casado com ANTÔNIA DE NEGREIROS (*), irmã de Joanna;

[GP, Vol. II, pag. 202]. Joanna Baptista de Negreiros e Antônia de Negreiros eram filhas de Antônio Carvalho Tavares e de sua mulher Margarida de Negreiros, ambos naturais e moradores da Bahia. A dita Margarida era descendente de Manuel Paredes, cristão-novo de Lisboa residente na Bahia, filho de Agostinho de Paredes e Violante da Costa, com auto-de-fé em 04/08/1593.

 

Os casos aqui expostos são breves exemplos, em meio a dezenas de casais e indivíduos. São inúmeros os povoadores com ascendência cristã-nova, seja aqueles que ainda praticavam os ritos judaicos, seja daqueles já totalmente inseridos no catolicismo (mas com ascendência próxima em cristãos-novos). Catalogar estes povoadores anteriores ao Século XVIII seria esforço de anos, e creio que, mesmo assim, haveria omissões consideráveis, visto a amplitude geográfica e genealógica da população mineira, mesmo em períodos tão remotos.

 

2) CRISTÃOS-NOVOS POVOADORES (SÉCULO XVIII)

Quanto a Minas Gerais no Século XVIII, é pertinente e oportuno citarmos a listagem de cristãos-novos residentes nas Minas Gerais, entre 1712 e 1763, exposta no livro “A Inquisição em Minas Gerais no Século XVIII”, de Neusa Fernandes, publicado em 2004 (pag. 177 a 184 – Anexo 4). O trabalho da pesquisadora é de suma importância. São dezenas de indivíduos mencionados por localidade, a saber: Brumado, Cachoeira, Caeté, Catas Altas, Congonhas do Campo,  Córrego do Pau das Minas de Arasuahy, Curralinho, Diamantina (antigo Tijuco), Fornos, Itaverava, Juiz de Fora,  Minas de Arassuahi, Minas de São José, Minas Novas do Fanado, Minas Novas de Paracatu, Ouro Branco, Ouro Fino,  Ouro Preto (antiga Vila Rica), Paranapanema, Pitangui, Ribeiro do Carmo (Mariana), Rio das Mortes, Sabará, São Caetano, São Jerônimo, São João Del Rey, Serro Frio, Sumidouro e também indivíduos em locais não definidos.

 

Na lista elaborada pela pesquisadora Neusa Fernandes, há indivíduos que também são mencionados na Genealogia Paulistana (não como cristãos-novos). Silva Leme e antigos genealogistas não identificaram povoadores com ascendências judaizantes, em razão da ausência de pesquisas no período e “pensamento” da época, que pretendia omitir qualquer vínculo genealógico com cristãos-novos.

Nos casos dos cristãos-novos listados por Neusa Fernandes) que porventura possuem ascendência descrita na Genealogia Paulistana, são exemplos crassos em que estes povoadores/habitantes de Minas Gerais, mantiveram a prática dos ritos judaicos e/ou tiveram sua ascendência reconhecida e foram classificados, a sua época, como cristãos-novos.

Para exemplificar os casos acima descritos, é oportuno observar a ascendência de três indivíduos: Os irmãos Bernardo Campos Bicudo e José Campos Bicudo (de Pitangui) e Garcia Rodrigues Paes (Rio das Mortes).

Bernardo (ou Bernardino) Campos Bicudo e José Campos Bicudo, moradores em Pitangui, descritos respectivamente nos Capº 5º e 6º do título “Campos”, Vol IV, pág. 166 da Genealogia Paulistana, eram filhos de Margarida Bicudo e Filipe de Campos Banderborg, netos maternos de Maria Bicudo (casada com Manoel Pires), falecida em 16 de janeiro de 1659 em Santana do Parnaíba, São Paulo; por Maria, eram bisnetos de Antônio Bicudo {Carneiro} c/c Isabel Rodrigues. Interessante notar que a ascendência e transmissão do sobrenome “Bicudo” foi matrilinear. Os irmãos Bernardo (Bernardino) e José Campos constam como cristãos-novos nos estudos de Neusa Fernandes. Temos, aqui, claro exemplo de continuidade dos ritos judaicos, verificados em povoadores de Minas Gerais com ascendência comprovadamente cristã-nova.

Garcia Rodrigues Paes, “construtor” do Caminho Novo é um caso singular. Em diligência de Habilitação para a Ordem de Cristo, realizada a 29 de outubro de 1710 o requerente não foi aprovado, em razão de ser “infamado de cristão-novo por parte de sua avó materna por famas constantes e por estes impedimentos se julgou por incapaz de entrar na ordem (...)”. Este fato fez o ilustre bandeirante constar na relação da pesquisadora Neusa Fernandes, como cristão-novo de Minas Gerais.

Silva Leme, ao tratar de Garcia Rodrigues Paes na pág. 455 do Vol. II da GP menciona que o mesmo fora agraciado em 1702 como cavalheiro fidalgo da Casa Real, por “seus serviços”, mas nada menciona sobre a reprovação na Habilitação de 1710, por sua ascendência cristã-nova.

Sobre Garcia Rodrigues Paes, sua avó materna era Maria Betting, esposa de Garcia Rodrigues Velho; a dita Maria Betting era filha do alemão Geraldo Bettink e Custódia Dias, e neta materna de Manoel Fernandes e Susana Dias. Manoel Fernandes pertence aos “Fernandes Povoadores”, hoje conhecidos como cristãos-novos. Interessante notar também que Susana Dias era neta materna de João Ramalho e da índia Bartira. Sobre João Ramalho, há estudos e opiniões conflitantes sobre sua origem judaizante. Independente da ascendência de Susana Dias, temos aqui outro exemplo de um antigo povoador de Minas, com raízes judaizantes. Garcia Rodrigues Paes, sem dúvida, é nome de vulto na História de Minas Gerais.

Certamente, na abrangente e ampla listagem apresentada pela pesquisadora Neusa Fernandes, caberia interessante estudo da ascendência dos indivíduos, não só daqueles com ascendência paulista, mas de todos. Muito seria revelado acerca das relações familiares e transmissão do judaísmo no período.

Diante de todas as considerações fica demonstrado a meu modo, as raízes judaizantes dos primeiros povoadores de Minas Gerais, e, por consequência, a nossa ancestralidade também ligada aos cristãos-novos. Um legado esquecido por muitos anos, mas com considerável estudo e resgate na atualidade, com diversos trabalhos, pesquisas e publicações. Certamente, ainda há muito a ser feito!

 

BIBLIOGRAFIA:

 

VASCONCELOS, D. História Antiga das Minas Gerais. Beltrão & C – Livreiros e Editores. 1901. Ouro Preto.

 

LEME, L.G.S. Genealogia Paulistana. Luiz Gonzaga Silva Leme (1852-1919). Transcrito/publicado por: http://www.arvore.net.br/Paulistana/

 

FERNANDES, N.. A Inquisição em Minas Gerais no Século XVIII. 2ª ed. – Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004. 212 p. ISBN: 85.7511.069.1. Conteúdo consultado: pag. 177 a 184 – Anexo 4.

 

SALVADOR, J.G.. Os cristãos-novos: povoamento e conquista do solo brasileiro, 1530-1680. São Paulo, Pioneira, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1976. CDD-981.021-301.45296081.

 

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