Apesar
da temática principal deste site/sítio ser a genealogia, não posso deixar de
tecer algumas considerações acerca da História de nosso Brasil, tão esquecida e
desprezada por grande parte da população brasileira e meio midiático.
Como
entusiasta da História do Brasil e de Portugal, me entristeci com a não
valorização do Bicentenário da Independência do Brasil em 07 de setembro de
2022. Desde então, percebi a necessidade do resgate de consciências na
recordação da História do Brasil, visto que, quando uma nação despreza sua
História, têm-se uma nação desprovida de identidade e sem compreensão de si
mesma.
Neste
29 de agosto de 2025 a nação brasileira completa 200 anos de assinatura do
“Tratado da Amizade” ou “Tratado do Rio”, referente ao reconhecimento da Independência do Brasil (declarada
em 07 de setembro de 1822) por parte de Portugal, até então nação oficialmente
hostil a emancipação da antiga colônia.
Primeiramente,
é importante entendermos a Independência do Brasil como um longo processo,
que se iniciou em outubro de 1807 (Convenção de Transferência da Corte
portuguesa de Lisboa para o Brasil, assinado com o Reino Unido) e findou-se
com o dito Tratado da Amizade, em 29 de agosto de 1825.
Em
22 de outubro de 1807,
o príncipe regente D. João VI e o Rei inglês D. George III assinaram tratado
acerca do fornecimento de escolta da transferência da Corte para o Brasil,
proteção da Ilha da Madeira (diante da expansão napoleônica) e compromisso britânico
de não reconhecer hipotético governo declarado em Portugal enquanto a Corte
estivesse no Brasil, além de, em momento posterior, ambas nações assinarem
tratado de comércio. Este tratado foi assinado na véspera da primeira invasão
francesa a Portugal.
Posteriormente,
com a Corte portuguesa em Salvador, foi assinado o Decreto de Abertura dos
Portos as Nações Amigas, em 28 de janeiro de 1808. A medida significou o
fim do antigo Pacto Colonial e a permissão dos súditos em solo brasileiro
praticar comércio com outras nações, ou seja, consistiu na independência
econômica e comercial do Brasil em relação a Portugal. Visto que grande parte
das exportações brasileiras tinham Portugal como entreposto na Europa, e, dado
o bloqueio naval imposto por Napoleão as nações europeias, a medida surgiu como
necessária aos exportadores brasileiros e oportuna para os ingleses, que
dominavam a navegação e eram pioneiros na Revolução Industrial até então.
Em
16 de dezembro de 1815,
D. João VI reconfigurou a relação entre Portugal e o Brasil. Formalmente, o
Brasil deixou de ser território ultramarino para se tornar a sede do “Reino
Unido do Brasil, Portugal e Algarves”, com capital no Rio de Janeiro. A
medida ocorreu em momento posterior a realização do Congresso de Viena, onde
Portugal já indicava ter como sede seu vasto domínio nas Américas, e,
consequentemente, ter maior peso político e econômico no “concerto das nações”.
Após
a restauração da paz na Europa e derrocada do Império napoleônico, os
portugueses, ressentidos da ausência de seu Rei, vivenciaram turbulências
políticas, entre as quais a Revolução Liberal do Porto em 1821. Tais
acontecimentos demandaram o retorno de D. João VI a Portugal, e, as Cortes
portuguesas, ao tentarem restaurar o antigo status quo colonial e não
compreender a nova realidade econômica do Brasil, acelerou o processo de
ruptura política e militar entre Brasil e Portugal, cujo ápice teve a Declaração
de Independência de 07 de setembro de 1822, por parte de D. Pedro I.
Importante
salientar que o processo de independência brasileira não foi pacífico, conforme alguns tentam induzir. O
ataque ao Convento da Lapa em Salvador, os confrontos na Bahia, no Pará, o
martírio dos sertanejos heróis de Jenipapo e os serviços navais e militares de
mercenários ingleses e americanos demonstram que nossa nação conseguiu sua
libertação com sacrifícios. Muitos destes conflitos, inclusive a batalha de
Jenipapo, ocorreram após a declaração de 07 de setembro de 2022. Os
conflitos pela independência mobilizaram, por parte do Brasil e de Portugal,
mais de 60 mil soldados e ceifaram de 3 a 5 mil vidas.
No
âmbito da legalidade e diplomacia, como se deu o reconhecimento de nossa
Independência? Esta fase, consistiu na etapa final do processo, situado entre 07/09/1822
e 29/08/1825.
Inicialmente,
Estados Unidos e Províncias Unidas do Prata (atual Argentina) reconheceram a
Independência brasileira. No entanto, eram nações jovens e ainda sem grande
relevância na Diplomacia internacional. Era essencial o reconhecimento das
potências europeias.
José
Bonifácio tinha planos de negociação direta com o Reino Unido, sem
reconhecimento de Portugal. Neste período, Lisboa cogitou enviar uma expedição
militar ao Brasil, mas desistiu do projeto. A partir de 1824, o Brasil enviou
representantes a Europa, para negociarem o reconhecimento. Em Londres,
estabeleceram-se Caldeira Brant e Manoel Gameiro, utilizando como instrumento
de negociação as tarifas preferenciais que os ingleses já usufruíam no Brasil.
Para
o Brasil, a necessidade do reconhecimento de sua independência no plano
internacional era urgente, visto o risco de fragmentação de seu imenso
território. A
Confederação do Equador e a posterior guerra da Cisplatina (independência do
Uruguai) demonstram a fragilidade política inicial do Império.
Portugal
se mantinha irredutível.
Além da questão político-nacional, havia uma questão singular: D. João VI, rei
português, era pai de D. Pedro I, proclamado imperador do Brasil. Como seria a
sucessão política em Portugal e no Brasil?
Londres
tinha um dilema: por um
lado, era oportuno reconhecer o Império do Brasil e manter os laços econômicos
já estabelecidos, e, evitar o pioneirismo da França de qualquer laço político
com o grande e promissor país sul-americano; por outro lado, Reino Unido e
Portugal tinham antiga e sólida aliança, e o reconhecimento direto de
independência não eram bem-visto pelas nações europeias.
O
experiente embaixador Charles Stuart foi o escolhido para intermediar e
negociar o acordo entre Brasil e Portugal. Primeiro esteve em Lisboa, e, recebeu
como demanda portuguesa o recebimento de indenização por parte do Brasil,
referente aos bens deixados pela Coroa portuguesa no Rio de Janeiro e
ressarcimento referente a perca de direitos das Capitânias brasileiras.
Ao
chegar no Rio de Janeiro a 17 de julho de 1825, o embaixador inglês não foi
inicialmente bem recebido. D. Pedro I foi hostil a proposta de indenização á
Portugal, e, “flertava” com a possibilidade de reconhecimento por parte da
França, na expectativa de obter bons resultados na negociação com os ingleses.
No entanto, o poderio britânico foi decisivo. Em 29 de agosto de 1825, com
intermediação do dito Charles Stuart, foi formalizado o Tratado da Amizade e
Aliança entre Brasil e Portugal. Em resumo, temos as principais posições:
-
Reconhecimento por parte de D. João VI do Brasil como Império independente, e
transferência da soberania do dito Império ao seu filho, D. Pedro.
-
Comprometimento do Imperador em não aceitar proposição de colônias portuguesas
para se juntarem ao Brasil.
-
Amizade entre as nações e respeito aos bens de raiz possuídos por nacionais da
outra nação em seus territórios, e restituição de propriedades confiscadas,
assim como de embarcações.
-
Restabelecimento das relações de comércio, com tarifas mútuas de 15% incidentes
nas mercadorias entre as nações.
-
Formação de comissão de avaliação e estudos de bens a serem objetos de
ressarcimento entre as nações. Desta, resultou uma segunda convenção, de
caráter secreto, revelada somente na Assembleia Legislativa em 1826,
mostrou-se polêmica e alvo de ferozes críticas, quando reveladas: coube ao
Brasil indenizar Portugal em £ 2 milhões, cujo valor, Gustavo Barroso, em
sua obra “Brasil – Colônia de Banqueiros” (p.32), descreveu:
£
1.400.000,00 referentes ao pagamento de dívida de Portugal junto ao Reino
Unido, pertinente a empréstimo formalizado em 1823 para despesas de guerra com
o Brasil.
£
600.000,00 de indenização a Portugal, referente a bens e direitos deixados no
Brasil.
De
acordo com o antigo historiador, em sua já citada bibliografia (p.33), a dívida
foi substituída pela emissão de títulos brasileiros (em moeda nacional), com
juros de 5% a.a., que resultou, entre outros empréstimos para pagamento deste em:
Rs
12.620:098$150 de amortização e Rs 10.264:479$743 de juros,
Perfazendo
o total de Rs 22.884:577$899.
Este
foi o custo financeiro do Tratado da Amizade.
Obviamente,
ainda no calor dos ressentimentos, a revelação destes termos na Assembleia
Legislativa de 1826 causou revolta e consideráveis críticas. Na atualidade,
em uma primeira leitura e no calor das emoções, entendemos como justa a má-fama
do Tratado da Amizade, onde o acordo firmado entre as nações é alardeado como
“compra da independência por parte do Brasil”, “desrespeito a memória dos que
deram a vida pela independência” ou como uma espécie de “parto na corrupção” e
“nascimento da nação sem luta e sacrifício”, o que poderia explicar a ausência
de patriotismo e brio nacional em que nos deparamos em situações diversas.
Entendo
como necessário duas questões: compreender a dimensão financeira do encargo assumido
pelo Brasil como condição de assinatura do tratado e refletir sobre as
circunstâncias em que o Império do Brasil se encontrava naquele momento.
Segundo
Roberto SIMONSEN, em sua clássica e majestosa obra “História Econômica do
Brasil” (p.541), para o ano de 1820, o orçamento público consistiu em receitas
de Rs 9.762:891$116, despesas de Rs 9.715:628$699 e saldo de Rs 47:262$417.
Estes
números se referem ao antigo Reino Unido de Brasil, Portugal e Algarves.
No
tocante ao comércio existente entre os territórios brasileiro e português, em
1819 (p.577), exportamos Rs 7.516:800$000 e importamos Rs 6.546:400$000,
resultando em saldo positivo para o Brasil de Rs 970:400$000. Importante
salientar a considerável queda das exportações brasileiras para Portugal após a
chegada da Família Real. Em 1807, as exportações para o Reino atingiram Rs 13.927:600$000,
com abrupta redução no ano seguinte, em 1808, dado o contexto da primeira
invasão francesa a Portugal.
Em
1823 (p.529), já segregada a contabilidade das finanças públicas de Portugal, a
receita total das províncias atingiu Rs 12.908:793$452, enquanto o Tesouro
Imperial teve receita apenas de Rs 3.802:434$204.
A
revisão dos valores é necessária e importante para adotarmos parâmetros de
comparação e entendermos o Tratado da Amizade de forma crítica e concisa.
Observando
o orçamento anual das províncias [em 1823] ou central [em 1820], verificamos
que o Tratado da Amizade e o reconhecimento da Independência nos custou
aproximadamente dois anos de orçamento somado das províncias. Não foi
módico o valor desembolsado pelo nascente Império do Brasil.
No
julgamento do passado, entendo a cautela e ponderação como necessários
requisitos. Apesar do elevado custo, o Tratado da Amizade representou o fim da
desgastante e dispendiosa guerra com Portugal e permitiu ao país seguir seu
destino já reconhecido como nação no tabuleiro internacional.
O
esquecimento e a negligência para com a História, a ausência de consciência
cívica e os problemas políticos de nosso país estão correlacionados,
infelizmente. Aqui seguimos, com a necessidade de estudar o passado, aprender
com a História, compreender a nossa realidade e caminhar adiante.
BIBLIOGRAFIA:
BARROSO,
Gustavo. BRASIL – Colônia de Banqueiros (História dos empréstimos de
1824
a 1934). 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira S/A, 1936.
FRANCHINI
NETO, Hélio. Redescobrindo a Independência: uma história de conflitos e
batalhas muito além do Sete de Setembro. São Paulo: Benvirá, 2022.
SIMONSEN,
Roberto C. História Econômica do Brasil: 1500-1820 – Brasília: Senado
Federal, Conselho Editorial, 2005. 589 p.
Tratado de Paz, Amizade e Aliança – Sistemas Atos Internacionais. Disponível em: https://web.archive.org/web/20170623195152/http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/1825/b_2/